sábado, 18 de outubro de 2008

Colóquio internacional Duns Escoto e as origens da Filosofia Moderna

O franciscano escocês João Duns Escoto (c. 1265-1308), partindo de uma reflexão ancorada na Teologia, introduziu nas discussões filosóficas inúmeras inovações conceptuais, argumentativas e doutrinais sobre o ser, os universais, o conhecimento intuitivo e a experiência, as ciências e a sua organização, a natureza da possibilidade, o infinito, a vontade, a liberdade e a providência, a felicidade, o poder e a pobreza, para apenas enumerar algumas. Mestre universitário, Duns Escoto ensinou em Oxford, Paris e Colónia. Apesar da curta vida de cerca de 42 anos e de ter deixado muitos dos seus escritos incompletos e em curso de revisão, escreveu uma extensa e complexa obra sobre Lógica, Psicologia, Metafísica, Teologia. A radical profundidade do pensamento de Duns Escoto, inovador a muitos títulos, granjeou-lhe o título de doutor subtil, tornou-o mentor de uma escola e de um modo de pensar de grande influência pelo menos até ao século XVIII e tem justificado nas últimas décadas associá-lo a um segundo nascimento da Metafísica.
João Duns Escoto (c. 1265-1308) e as origens da Filosofia Moderna, que decorre na FLUP de 12 a 15 de Novembro de 2008, engloba diversas de iniciativas: laboratório de investigação, colóquio internacional, exposição e edição de um guia bibliográfico, lançamento de obras. Especialistas de diversos países (Brasil, Espanha, França, Itália, Portugal) discutem o pensamento de Duns Escoto no horizonte de compreensão das fundações da modernidade filosófica.
No colóquio é dado tempo para a discussão pelos participante das comunicações apresentadas.



12 de Novembro
10,00-17,00 : LABORATÓRIO DE FILOSOFIA MEDIEVAL


Introdução à investigação sobre João Duns Escoto: obras e pensamento
por: José Meirinhos; Roberto Hofmeister Pich; Cruz González Ayesta.


1) Perspectivas introdutórias: contexto filosófico, obras, problemas
2) Metafísica e teoria do conhecimento
3) Natureza e vontade
O Laboratório é uma introdução prática ao estudo de Duns Escoto nos seus textos.
Máximo de 15 participantes, por ordem de chegada das inscrições.
13,00-14,30 Almoço dos participantes.



17,30 : Inauguração da EXPOSIÇÃO BIBLIOGRÁFICA JOÃO DUNS ESCOTO


Biblioteca da FLUP, 12 a 30 de Novembro




COLOQUIO
Sala de reuniões (piso 2)

13 de Novembro
9,30 Sessão de Abertura
-- Representantes da FLUP e da UP
-- José Meirinhos, FLUP / GFM
-- Luís Alberto De Boni*, Porto Alegre
-- Vítor Melícias, Ministro Geral da Província Franciscana Portuguesa

10,00-10,45 Conferência de Abertura
Alessandro GHISALBERTI (Milano, Itália), Il rinnovamento del concetto di libertà in Duns Scoto
Pausa para café

11,30-13,00
César Ribas CEZAR (São Paulo, Brasil), Causalidade e indução em Duns Escoto
Dominique DEMANGE (Paris, França), Structure et unité de la science selon Duns Scot
13,00-14,30 Almoço

14,30-16,00
Maria Leonor Xavier (Lisboa), A subtil influência de Anselmo na filosofia do Doutor Subtil
Mário Santiago de Carvalho (Coimbra), Aliqua est effectibilis ergo aliqua effectiva'. Novidade e originalidade da Filosofia

Pausa para café

16,30-18,00
Gonçalo FIGUEIREDO (Lisboa), Se a liberdade da vontade e a necessidade natural podem coexistir no mesmo sujeito em relação ao mesmo acto e objecto
Cruz GONZÁLEZ AYESTA (Pamplona, Espanha), A Paradox in Scotus’ Account on Freedom of the Will


13 de Novembro - Sala de reuniões (piso 2)
18,00 : APRESENTAÇÃO/LANÇAMENTO DE OBRAS RECENTES


João Duns Scotus, Textos sobre poder, conhecimento e contingência, ed. e trad. Roberto Hofmeister PICH, (col. Pensamento Franciscano, 11) EDIPUCRS, Porto Alegre 2008.
MERINO, José António: João Duns Escoto. Introdução ao seu pensamento, trad., Editorial Franciscana, Lisboa 2008.
DE BONI, L.A. (org.), João Duns Scotus (1308-2008). Homenagem dos scotistas lusófonos, Ed. EST, Porto Alegre 2008.
PICH, Roberto Hofmeister (ed.), New Essays on Metaphysics as “scientia transcendens”, (TEMA 43), FIDEM, Louvain-la-Neuve 2007.
João Duns Scotus (1308-2008), org. L.A. DE BONI e R.H. PICH, in Veritas, vol. 53, 3 (2008).
Juan Duns Escoto, Naturaleza y voluntad. Quaestiones super libros Metaphysicorum Aristotelis, IX, q. 15, Trad., introd. y not. de Cruz GONZÁLEZ AYESTA, Universidad de Navarra, Pamplona, 2007.
No final será servido um Porto de honra aos participantes.

14 de Novembro
9,00-11,00
Santiago ESCOBAR GÓMEZ (Madrid, Espanha), Elementos de filosofía árabe en el pensar de Duns Escoto
Francisco LEÓN FLORIDO (Madrid, Espanha), Claves escotistas en el pensamiento político moderno: distinción formal y potencia absoluta
Pausa para café

11,15-12,45
José MEIRINHOS (Porto), A subalternação das ciências no escotista Gomes de Lisboa
Marco FORLIVESI (Padova, Itália), L'unità di una scienza asimmetrica: la natura della metafisica secondo Gabriele Zerbi, Jan di Głogów e Antonio Trombetta
12,45-14,30 Almoço

14,30-16,00
José Maria da Costa MACEDO (Porto), Individualidade e individuação em Duns Escoto: perspectivas e interrogações
Manuel Lázaro (Cáceres, Espanha), El ser unívoco, profundidad ontológica de la analogía estética. La metafísica franciscana

Pausa para café

16,30-17,30
Luís Alberto de Boni* (Porto Alegre, Brasil), As perfeições puras como transcendentais em Duns Scotus
Roberto Hofmeister Pich (Porto Alegre, Brasil), Cognição intuitiva e modalidades epistémicas

17,30 Sessão de Encerramento
-- Maria Cândida Pacheco, Universidade do Porto / GFM
-- Roberto Hofmeister Pich, Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre
-- Vítor Melícias, Ministro Geral da Província Franciscana Portuguesa.


* Presença a confirmar


Comissão organizadora
José Meirinhos, Prof. Associado, FLUP (pres. Com. Organizadora)
Maria Cândida Pacheco, Prof.ª Catedrática Emérita, FLUP
Luis Alberto De Boni, Prof. Filosofia Medieval da Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre
Roberto Hofmeister Pich, Prof. Filosofia Medieval - Pós-graduação em Filosofia, Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre
Gonçalo Figueiredo, Província Franciscana Portuguesa
Mariana Leite, Estudante de pós-graduação, FLUP (secretariado)
Patrícia Calvário, Estudante de pós-graduação, FLUP (secretariado)

Entidades organizadoras
Gabinete de Filosofia Medieval – FLUP
Pós-graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre;
Província Franciscana Portuguesa.


Apoios
Departamento de Filosofia FLUP
Faculdade de Letras da Universidade do Porto
Universidade do Porto
Fundação para a Ciência e a Tecnologia

domingo, 28 de setembro de 2008

João Duns Escoto (c. 1265-1308) e as origens da Filosofia Moderna


O Colóquio internacional: João Duns Escoto (c. 1265-1308) e as origens da Filosofia Moderna decorrerá na Faculdade de Letras da Universidade do Porto de 13 a 15 de Novembro de 2008.

(programa a divulgar em breve)

Organização:
Gabinete de Filosofia Medieval
Pós-graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul, Porto Alegre
Província Franciscana Portuguesa

Mediaevalia - Calling for Papers


Mediaevalia. Textos e estudos volume 27 (2008): 31 de Outubro de 2008 é a data limite para propostas de publicação.

Mediaevalia. Textos e estudos é uma revista internacional impressa, com submissão de textos a revisão anónima pelos pares (peer review).
A revista publica trabalhos originais e inéditos em todos os campos da Filosofia e Teologia medievais, e sobre manuscritos ou instituições culturais e de ensino medievais. Os contributos submetidos podem ter uma orientação filosófica, ou histórica, ou ambas.
Secções da revista: Textos (edição crítica de textos e traduções); Estudos (problemas filosóficos, autores, correntes filosóficas, manuscritos); Materiais (notas de investigação; bibliografias críticas; estados da arte; discussões e polémicas; breves ensaios sobre questões editoriais ou historiográficas, etc.); Recensões críticas.
Línguas: a revista publica estudos em latim, alemão, castelhano, francês, inglês, italiano, português.

sábado, 26 de julho de 2008

A Filosofia Árabe


Tal como os filósofos cristãos, também os árabes, mutatis mutandis, tentaram conciliar o conteúdo da revelação com a filosofia, ou melhor, esforçaram-se por explicar racionalmente a verdade revelada através da filosofia. Pretendiam perpassar a obscuridade da fé com a luz da razão natural. Trata-se de conciliar a fé com a razão, síntese que muitas vezes culmina em modos originais de pensar. O pensamento rígido do Corão e dos tradicionalistas chocou muitas vezes com a cosmovisão platónica e aristotélica, sobretudo nas concepções da criação e da acção divina sobre o mundo.
Os árabes tiveram contacto com a filosofia grega através dos territórios conquistados onde predominava a cultura helénica e assim conheceram obras gregas no campo da medicina, matemática e filosofia. Através da traduções feitas pelos judeus de Espanha dos comentadores de Aristóteles, os europeus puderam conhecer a maior parte do corpus aristotelicum, que era desconhecido até então. O que mais se conhecia de Aristóteles era somente a lógica, depois, através dos comentadores árabes, juntou-se a metafísica, a física, a ética e a psicologia.

Para o estudo da filosofia islâmica recomendamos o site Islamic Philosophy Online.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Festival de Música Medieval - Carrazeda de Ansiães


O VII Festival de Música Medieval decorre nos dias 12, 13, 18, 19 e 20 de Julho na bela vila transmontana de Carrazeda de Ansiães. Aqui fica o programa bem convidativo:


Sábado, 12 de Julho às 21h30

ENSEMBLE HISPÂNIA - Direcção de Fernando Gomes Programa: “Oriente-Ocidente”

Igreja de Beira Grande

O grupo apresenta uma reflexão sobre as relações interculturais entre as comunidades mouras, judias e cristãs na Idade Média e a memória sobrevivente de algumas das suas músicas nas tradições orais peninsulares e da diáspora.


Domingo, 13 de Julho, às 21h30

VOZES ALFONSINAS - Dir. de Manuel Pedro Ferreira Programa: “Sons perdidos, revividos” Igreja de Selores

O programa inédito cobre um período de tempo de mais de mil anos de história, começando pela monodia litúrgica cristã, prosseguindo com exemplos das polifonias primitivas e terminando com o repertório do precioso manuscrito 714, do século XV, conservado na Biblioteca Pública Municipal do Porto, constituído por canções polifónicas de tema amoroso.


Sexta,18 de Julho, das 15 às 18 horas

OFICINA: ”A Arte dos Instrumentos Musicais na Idade Média” Auditório do Centro de Apoio Rural
O workshop visa facilitar o contacto do novo público interessado na abordagem prática da música medieval


Sábado, 19 de Julho, às 21h30

MEDIAE VOX ENSEMBLE - Direção de Filipa Taipina Programa: “Miracles de Notre Dame de Gautier de Coincy” Igreja de Amedo

O grupo apresenta um excerto dos célebres Miracles de Nostre Dame, de Gautier de Coincy, colecção de narrativas que teriam inspirado a obra Cantigas de Santa Maria, do rei Afonso X


Domingo, 20 de Julho, às 21h30
LA BATALLA - Direção de Pedro Caldeira Cabral Programa: “Dois Cancioneiros Senhoriais”

Centro Cívico de Ansiães

Para encerrar o festival, os La Batalla apresenta um programa especial com excertos de dois cancioneiros de âmbito senhorial, produzidos respectivamente por D.João Perez Aboim, senhor de Portel e Estevam da Guarda, trovador que foi conselheiro do rei D. Afonso IV

quinta-feira, 26 de junho de 2008

Tomás de Aquino urbanista



Propuseram-nos escrever um pequeno texto acerca de Tomás de Aquino e a sua concepção de cidade, nas vertentes políticas e urbanísticas.
Comecemos por expor qual a origem e a finalidade da cidade, segundo Aquino. Ora, os homens unem-se uns aos outros por uma condição da sua própria natureza. O homem é por natureza um “animal sociável e político” que vive em conjunto. A finalidade da vida em comum, ou seja, da cidade, é o bem-estar dos indivíduos. A cidade tem como finalidade ou ordena-se, em última instância, à felicidade do homem. Importa, por isso, que tenha todas as condições que permitirão ao homem ter uma boa qualidade de vida. É importante mencionar que, para Aquino, este fim da cidade, que podemos designar de terreno, subordina-se a um outro fim, último, que é a beatitude celeste.
Tomás de Aquino refere que há duas coisas essenciais para a boa vida do ser humano enquanto indivíduo: a acção segundo a virtude e possuir bens corporais necessários para que se possa exercer a virtude. Para haver a boa vida da multidão requer-se que haja uma unidade entre todos, que a multidão seja incitada às boas acções e, por último, que haja abundância de bens indispensáveis ao bem viver. O governante deve providenciar para que se conserve este estado na multidão. Deve também substituir os homens encarregues das diversas funções; deve usar a lei, prémios e castigos para induzir os homens às boas obras; por último, deve o rei também tomar as devidas medidas para tornar a cidade segura.
A função do governante é, portanto estabelecer, manter e promover a vida recta entre os seus súbditos. Para regular a vida neste domínio o príncipe deve dar recompensas e penalizar aqueles que não cumprem as leis, deve também defender o povo contra ameaças externas.
Quanto às preocupações urbanísticas, Aquino, faz no De Regno[1], uma breve exposição acerca das condições geográficas em que deve ser fundada uma cidade. Também o urbanismo existe enquanto proporciona o bem-estar dos indivíduos. Pelo menos no De Regno de Tomás de Aquino, não encontramos uma preocupação estética do espaço urbano. A organização geográfica da cidade é sempre com vista a proporcionar o bem-estar dos indivíduos. O que não quer dizer que na Idade Média não existisse essa sensibilidade estética. Encontramos, por exemplo, vários tipos de jardins, que existiam, não somente para uma utilidade prática, mas também para recreação e lazer. Os jardins eram todos privados, pois ainda não existia a necessidade da criação de espaços verdes, só durante o pleno desenvolvimento da Revolução Industrial, em 1843 aparece na Inglaterra o primeiro jardim público, o jardim de Birkenhead, criação de Joseph Paxton. Não é de admirar que tenha tardado tanto tempo a aparecer no mundo ocidental o primeiro jardim público, só durante esta época as cidades começam a ficar saturadas.
Os hortus conclusus, espaços fechados, de uso privado, usualmente jardins situados nos claustros, geralmente com uma fonte no centro, tinham um valor estético, também funcional, no caso dos jardins medicinais, e até simbólico: a fonte no centro representava a “fonte da vida”, da água viva do baptismo.
Nos dois capítulos finais do DR, Tomás de Aquino tece algumas considerações acerca do local onde deve ser fundada uma cidade. Vitrúvio[2] é a grande influência de Aquino nestes dois capítulos finais.
Para se fundar uma cidade deve-se escolher uma região com um clima temperado, pois é o melhor para os habitantes. Isto em vários sentidos, primeiro no que respeita à saúde. O clima temperado conserva o corpo e dá longevidade. A esta concepção subjaz a doutrina dos humores[3].
Segundo, porque as regiões temperadas convêm mais nas situações de guerra. A explicação que o Doutor Angélico dá é, mais uma vez, fundamentada na doutrina dos humores: os climas temperados dão origem a homens que desprezam os ferimentos e a morte, destemidos e prudentes.
Por último, a política faz-se ou é própria de zonas com este tipo de clima: «As que, contudo, vivem nas zonas médias são dotadas tanto de intelecto como de ânimo, resultando não só perseverarem livres e poderem viver ao máximo politicamente, mas também saberem mandar nos outros»[4].
Depois de escolhida uma zona temperada para fundar a cidade é necessário uma escolha também de um local que tenha um clima salubre. Aquino faz notar que o convívio entre as pessoas fundamenta-se ou constrói-se a partir de um ambiente externo que seja propício a esse fim. Diz Vitúvrio (e Aquino) que o local mais saudável é o elevado, pois é bem arejado, impedindo que o ar se torne impuro; deve ser um local afastado dos pântanos que exalam gases venenosos.
O lugar que se destina à fundação da cidade tem de ser temperadamente exposto ao calor e ao frio. O fundador da cidade dever ter, por isso, atenção aos pontos cardeais, à exposição ao sol segundo os pontos cardeais.
Com estas considerações termina a obra escrita pela mão de Tomás de Aquino, tendo sido o resto escrito por Ptolomeu de Luca, como já dissemos no início da exposição.


[1] De Regno foi escrito entre 1265 e 1266; é um texto que foi deixado incompleto, tendo sido terminado por Ptolomeu de Luca, um discípulo de São Tomás. É dedicado ao rei de Chipre.

[2] Arquitecto e engenheiro romano que viveu no século I a. C., escreveu o De Architectura.
[3] «Fundamentava-se numa classificação quaternária do cosmos, que estabelecia quatro tipos de temperamentos, conforme a predominância no organismo de um entre os quatro componentes líquidos (=humores) que determinam a compleição do mesmo: a bílis amarela, a fleuma, o sangue, a melancolia ou ‘atra bílis’. Por sua vez, haveria uma correspondência entre os quatro humores, os quatro elementos físicos constitutivos da realidade (fogo, água, ar, terra), as estações do ano (Verão, Inverno, Primavera, Outono), as idades da vida (maturidade, velhice, juventude, envelhecer), as horas do dia (o meio dia, a noite, a manhã, o entardecer), e os planetas (Vulcano, Neptuno, Minerva, Saturno). Nesse quadro, a prevalência da bílis amarela determina o temperamento colérico, a prevalência da fleuma determina o temperamento fleumático, a prevalência do sangue, o sanguíneo, e a prevalência da melancolia, o temperamento melancólico.
Os humores eram considerados como os factores ‘responsáveis’ seja pela saúde seja pelas doenças do organismo. A complexio sanguinea era geralmente considerada pelos médicos como a mais saudável, e por outro lado, a compleição melancólica era julgada como a mais doentia, sendo acompanhada por distúrbios psíquicos em diversos graus (medo, depressão, delírio). Esta caracterização psicológica do melancólico depende da qualidade própria da atra-bilis de influir sobre os estados de ânimo. Os excessos na quantidade e no estado térmico deste humor seriam a causa da loucura, sendo que a genialidade seria devida à predominância moderada do humor e ao seu estado térmico temperado. A ambiguidade dos sintomas psíquicos da melancolia tornara pouco claro o limiar entre doença e normalidade, entre disposição e moléstia, sendo o tipo melancólico cada vez mais retratado pela literatura médica, em termos psicológicos (Klibansky, Panofsky e Saxl, 1983).
Gradualmente, a todos os humores é atribuída a capacidade de determinação psicológica inicialmente reconhecida apenas à melancolia. O médico romano Galeno, no primeiro século depois de Cristo, sistematiza esta visão psicossomática afirmando que os quatro humores contribuem para a determinação das qualidades morais e mentais dos indivíduos. Deste modo, ao longo da Idade Média, abriu-se o caminho para a transformação da doutrina dos humores numa teoria psicológica dos caracteres e tipos de personalidades. Todavia, segundo Klibansky, Panofsky e Saxl (1993), o agente desta transformação não foi propriamente a Medicina e sim a Filosofia escolástica. Esta relacionara a teoria dos temperamentos ao dogma teológico do pecado original, atribuindo assim aos humores uma significação moral. A Idade Média incumbiu-se também das traduções nos idiomas vulgares e da difusão da teoria dos temperamentos, de forma a incorporá-la no património da cultura popular e da medicina prática»: M. Massimi, A Teoria dos Temperamentos na Literatura Jesuíta, nos séculos XV e XVI, Atalaia – Revista do CICTSUL in http://www.triplov.com/atalaia/massimi.html.

[4] DR, livro II, cap. I, 52.

segunda-feira, 26 de maio de 2008


Descobri este site durante umas deambulações no espaço virtual. Vale a pena passar por lá para descobrir os escritos de mulheres que viveram antes de 1700:


sábado, 10 de maio de 2008

Conferências GFM

O Gabinete de Filosofia Medieval convida todos os interessados a participar nas conferências sobre Política e filosofia na Idade Média que decorrerão na Faculdade de Letras da Universidade do Porto durante o mês de Maio de 2008:

Patrícia Calvário (GFM)
O governo da cidade no De regno de Tomás de Aquino
12 de Maio 2008 (16h00m) Sala 106B

Celestina Gomes (GFM)
A monarquia universal: a metáfora do sol e da lua revisitada por Dante
16 de Maio 2008 ( 10h30m ) Sala 409

Miquel Beltrán ( Universitat de les Illes Balears, Palma de Mallorca )
El influjo del pensamiento islámico sobre la concepción de Dios en Maimónides
19 de Maio 2008 ( 15h30m ) Sala 106B

Influjos de la filosofía judía medieval sobre la filosofía de Spinoza
23 de Maio 2008 ( 10h30m ) Sala 409

Floriano Jonas Cesar (Wellcome Institute, London)
Marsílio de Pádua: Psicologia e análise política
26 de Maio 2008 ( 15h30m ) Sala 106B

Marsílio de Pádua: Medicina, religião e teoria política
30 de Maio 2008 ( 10h30m ) Sala 409


Aos participantes regulares será passado o respectivo certificado.

Laboratorium Philosophiae Medii Aevi 2008
Organização:Gabinete de Filosofia Medieval / Instituto de Filosofia da FLUP
Apoio:
Departamento de Filosofia
Fundação para a Ciênica e Tecnologia

sexta-feira, 25 de abril de 2008

VIII Colóquio Internacional Discursos e Práticas Alquímicas


“Aquele que quer explorar a natureza há-de folhear as suas páginas com os pés. A Escritura lê-se a letra a letra, a natureza terra a terra; cada terra é uma página. Tal é o Codex da natureza e é assim que é preciso compulsá-lo” (Paracelso)


A oposição binária entre masculino e feminino é um constructo puramente cultural, construído de formas muito diversas em diferentes culturas, períodos históricos e contextos. A gramática binária tem de alguma forma silenciado a multiplicidade subversiva do feminino, impondo uma prática heterossexual baseada no falocentrismo. O discurso unívoco e hegemónico do masculino, o falocentrismo, suprime a multiplicidade subversiva de uma sexualidade que rompe comas hegemonias heterossexuais compulsórias, reprodutivas e médico-jurídicas (Butler, 2003: 40).
Será Platão o pai da alquimia grega? O mestre alquimista é visto como analogon do Demiurgo, de facto apresentado por Platão como um metalurgista. Mas se Platão achava desejável a imitação do deus no plano da justiça, da santidade, até da dialéctica, já qualificava a imitação de física de impossível e ímpia. Porém, os alquimistas gregos visam menos a reproductibilidade das suas experiências do que uma compreensão mística, simbólica e analógica do real. Haveria uma química mítica e uma química mística (Maria Papathassiou).
Onde está o Novo Homem com que sonhava Louis-Claude de Saint-Martin, com que sonharam todas a utopias, religiões e literaturas, e com que sonha hoje a biotecnologia?






domingo, 20 de abril de 2008

XII CONGRESSO LATINOAMERICANO DE FILOSOFÍA MEDIEVAL DUNS SCOTUS

6 a 10 Outubro de 2008

Autoridades
Comisión Internacional Institucional
Francisco Bertelloni (Argentina)
Giannina Burlando (Chile)
Néstor Corona (Argentina)
Luis Alberto De Boni (Brasil)
João Lupi (Brasil)
Marcos Nunes Costa (Brasil)
José Antonio C. R. de Souza (Brasil)
Josep Puig Montada (España)
Escotista
Barnaba Hechich ofm (Italia)
Joaquim Cerqueira Gonçalvez ofm (Portugal)
Carlos Martínez Ruiz (Argentina)
José Antonio Merino ofm (España)
General
Luis Bacigalupo (Perú)
Silvia Magnavacca (Argentina)
Rafael Ramón Guerrero (España)
Josep Ignasi Saranyana (España)
Coordinación General
Celina A. Lértora Mendoza

Mais informações aqui.

sábado, 5 de abril de 2008

Visões de Hildegard Von Bingen




"Sucedeu no ano 1141 da encarnação de Jesus Cristo. Na idade de quarenta e dois anos e sete meses, veio do céu aberto uma luz ígnea que se derramou como uma chama em todo o meu cérebro, em todo o meu coração e em todo o meu peito. Não ardia, era somente quente, do mesmo modo que o sol aquece aquilo sobre o qual incidem os seus raios. E rapidamente compreendi o sentido dos livros, dos saltérios, dos evangelhos e de outros livros católicos, tanto do antigo como do novo testamento, ainda que sem conhecer a explicação de cada uma das palavras do texto, nem a divisão das sílabas, nem os casos, nem os tempos."

Scivias (Conhece os Caminhos), Hildegard Von Bingen




O caminho para chegar à contemplação perfeita não é o da razão filosófica. Aristóteles diz que o maior deleite é saber que o diâmetro é assimétrico com a circunferência; que este seja o seu deleite, que ele até o coma. Sem começar pela fé, a razão não chega à contemplação, mas este método foi ignorado pelos filósofos que, descurando a fé, fundando-se totalmente na razão, não conseguiram de modo algum chegar à contemplação. Por mais que o filósofo conheça, não pode, pois, chegar à felicidade perfeita. Mas que adianta saber muito, se não se degusta? São Boaventura

domingo, 24 de fevereiro de 2008

As susbtâncias separadas ou anjos

O termo “substância separada” foi usado primeiramente por Aristóteles, na Metafísica. Aristóteles indica três tipos de substâncias: sensíveis não-separadas, que nascem e perecem; as sensíveis separadas, mas incorruptíveis, que compreendem os astros, os céus e as esferas celestes e, finalmente, a substância eterna e imóvel ou Motor Imóvel, desprovido de qualquer matéria, puro acto.
Na tentativa de conciliar a doutrina aristotélica com a fé católica, a que se assistiu durante a escolástica, identificam-se as substâncias separadas de Aristóteles com os anjos. São Tomás de Aquino usa indiferenciadamente as duas denominações[1].
O maior tratado acerca dos anjos é de Pseudo-Dionisio, Tratado da Hierarquia Celeste, ao qual São Tomás se refere por diversas vezes na sua Suma. Os árabes também se interessaram por este tema, sobretudo Avicebron e também o judeu Maimónides. (continua)

[1] Cf. Suma Teológica, quest. L a LXIV

domingo, 27 de janeiro de 2008

Aristóteles entre os árabes

À semelhança do que aconteceu no seio da igreja, a partir da Metafísica de Aristóteles, os pensadores árabes heterodoxos extraíram a teoria da eternidade da matéria e a negação de todos os atributos humanos do Deus do Corão. Outros pensadores tentaram conciliar a doutrina da criação com a doutrina da ausência de atributos em Deus. Deus não pode ter criado sem o querer. Como superar então esta dificuldade? Através da teoria que concebe os atributos como existindo sem um substrato. Desta forma a vontade pode existir sem um substrato e esta é a vontade pela qual Deus cria.
Alguns pensadores árabes sustentaram, a partir das doutrinas aristotélicas, em oposição ao fatalismo do Corão, que a providência de Deus abarca somente os universais, não o acidental nem o singular. Mas, segundo os ensinamentos do gnosticismo e do neoplatonismo, pelos quais foram também influenciados, defendem a existência de mundos intermédios que são os responsáveis pelas acções do singular e do individual, que serão posteriormente objecto de condenação pelo Bispo Etienne Tempier.
Outra problemática que preocupou os árabes foi a questão do conhecimento. Como é que o intelecto, que é imaterial, pensa o material? Onde é que reside o vinculo entre as duas dimensões? Aristóteles coloca-o no intelecto agente. Ele refere que o intelecto se adapta a todas as coisas. O intelecto agente está sempre activo; está eternamente activo; não há momentos em que pense e outros em que não pense. Ele é imortal e eterno. O intelecto agente não se deixa afectar pelo objecto. O intelecto paciente ou passivo é receptivo, perecível e não consegue pensar nada sem a ajuda do intelecto agente.[1]
Os filósofos árabes em seguida encarregaram-se de explicar a existência deste misterioso intelecto agente. Encontraram a solução num escrito apócrifo de Aristóteles (que designavam de Teologia, que mais não era do que uma obra de Plotino). Nesta obra leram como Deus, ao contemplar a sua absoluta e verdadeira unidade, formou a Primeira Inteligência.[2] Esta é a primeira de uma série de inteligências da qual é, finalmente, derivado o intelecto agente de que fala Aristóteles. A maneira como as inteligências procedem umas das outras é, mais ou menos, desta forma: há nove esferas celestiais.[3] A Alma é o princípio do seu movimento. Esse movimento é circular e pressupõe uma finalidade particular, que implica desejo.[4] O objecto de desejo é a Primeira Inteligência. Mas a diferença no movimento deve-se à diferença do desejo. Por conseguinte, cada esfera deve ter, além da Primeira Inteligência, uma inteligência inferior para regular o seu movimento. Existem, portanto, nove outras inteligências emanadas da Primeira Inteligência. São conhecidas como inteligências separadas[5], que os teólogos, numa tentativa de conciliar a doutrina aristotélica com a ortodoxia cristã, traduziram por “anjos”.
A mais inferior dessas inteligências separadas, que preside ao movimento da esfera mais próxima de nós, a Lua, é o intelecto agente, por cuja influência o intelecto passivo ou paciente dentro de nós se torna activo e se torna intelecto em acto. Quando ele se torna acto é designado de Intelecto Emanado ou Adquirido. Atingir este estado é a finalidade de todo o esforço para alcançar a perfeição.
Desta forma, os filósofos árabes circunscreveram o intelecto agente num local e deram-lhe um nome. Este intelecto agente, que eles concebem como o intelecto único de toda a humanidade, é onde todos os outros estão imersos.
A alma, afirma Averrois, “não está dividida segundo o número dos indivíduos; é a única e a mesma em Sócrates e em Platão: o intelecto não possui individualidade; a individuação procede da sensibilidade”.[6] Será que Averrois ou qualquer outro filósofo árabe queria dizer que este intelecto agente era uma “humanidade permanente e viva”?[7]
O intelecto agente parece ser algo afastado da humanidade, uma criação distinta, à qual uns poucos favorecidos podem chegar.
Cremos que tem cabimento aqui expor em traços gerais o pensamento de Averrois, uma vez que foi o filósofo árabe mais influente na escolástica, que deu origem ao chamado averroismo. O amor de Averrois à filosofia é uma espécie de religião. “A única religião para os filósofos é fazer um profundo estudo de tudo o que existe; portanto, não podemos prestar um culto maior a Deus do que conhecer as Suas obras, que provocam conhecer-Lo em toda a Sua realidade”.[8]
A admiração deste pensador árabe por Aristóteles não conhecia limites: “Este homem tem sido a regra da Natureza e um modelo no qual ela procura expressar o tipo da perfeição última”.[9]
Ele fez epítomes de Aristóteles, ele parafraseou Aristóteles; ele comentou Aristóteles. Estas três operações ficaram conhecidas como os seus três comentários. Averrois era designado pelos escolásticos ocidentais de Comentador. São Tomás de Aquino aprendeu e seguiu o seu método. Tal como Averrois, Tomás de Aquino não conhecia a língua de Aristóteles, mas ele socorreu-se do irmão William de Moerbeke, como já referimos atrás, para elaborar traduções directas do grego.
Durante cerca de dois séculos o grande Comentador continua a ofuscar os escolásticos. Ele é citado, comentado e refutado. Através dele todos os erros da filosofia árabe passaram para dentro da Igreja, e juntamente com os de Aristóteles, produziram inúmeras disputas e doutrinas incompatíveis com a fé cristã.

[1]Cf. ARISTÓTELES, De Anima, III. v. 2.

[2] Cf. Theologia Ægyptior., lib. XIII. cap. VII.

[3] Cf. ARISTÓTELES, Metafisica, XII. cap. 7, 8.

[4] Cf. ARISTÓTELES, De Caelo, II. XII. 3.

[5] Vd. AQUINO, Tomás, De Substantiis Separatis, cap. II, xvi. p. 184.

[6] Vide RENAN, Averrois et l’Averroisme, p. 155.

[7] “ Une humanité vivante et permanente, tel semble donc être le sens de la théorie averoïstique de 1'unité de 1'intellect”. (Renan, loc. cit., p. 138).

[8] MUNK, Melanges, p. 456

[9] AVERROIS, Comment., De Anima, 1. iii.

As condenações de 1277

Existiam, na Faculdade de Artes, duas orientações divergentes: de um lado Siger de Brabante liderando um grupo de mestres que professavam um racionalismo e um aristotelismo heterodoxo; do outro lado os mestres que adoptam um aristotelismo moderado que respeitava a visão cristã do mundo.

Quais os verdadeiros motivos da condenação de 1277? O que foi verdadeiramente condenado pelo bispo de Paris? Qual ou quais foram os objectos da condenação?

Para Piche, a censura de 1277 representa um signo revelatório de uma situação histórica de crise do pensamento onde as figuras conflituais do espírito humano são colocadas em jogo: em 1277, uma racionalidade religiosa estabelecida opõe-se a uma intelectualidade que se quer axiologicamente neutra relativamente à religião. Em 1277 uma moral teologicamente cristã digladia-se com uma ética filosoficamente laica.

Ainda que se possa pensar que a condenação não teve efeito fora da jurisdição do episcopado de Paris, o decreto do bispo Tempier é detentor de uma acção simbólica e moral que se estende para lá dos limites da diocese de Paris, porque provém da metrópole intelectual da cristandade latina e se dirige aos membros do mais prestigioso centro de estudos filosóficos e teológicos da época – a Universidade de Paris.

O bispo não actuou sozinho na censura. O papa João XXI mandou-lhe que fizesse uma investigação sobre os promotores e os locais de difusão de certos erros doutrinais. Tempier reúne para esse propósito uma equipa de pesquisa de 16 teólogos, entre os quais se encontrava Henri de Gand. A estes teólogos cabia a tarefa de examinar a literatura filosófica suspeita a fim de lhes extrair as ideias heterodoxas. A comissão dirigida pelo bispo de Paris recolhe assim, num curto espaço de tempo, que vai de três semanas a um mês, um conjunto desorganizado de teses que foram reunidas aparentemente sem qualquer critério de ordem e que deram origem ao sílabo dos 219 artigos.

A censura do bispo de Paris é um sintoma de uma cultura universitária dividida entre a sua fidelidade aos imperativos do pensamento cristão tradicional – ou seja, pela Escritura teologicamente interpretada pelos Padres latinos, principalmente Agostinho – e a atracção irresistível exercida sobre esta cultura sapiente pelos novos modos de representação do divino, do mundo e do homem que lhe são oferecidos pelos sistemas filosóficos elaborados pelos pensadores peripatéticos e Aristóteles e que entram em alguns pontos em contradição com os dogmas fundamentais do catolicismo.


O Bispo Tempier havia já condenado em 10 de Dezembro de 1270 treze erros doutrinais. Estes treze erros irão fazer parte da condenação posterior de 1277.
O decreto de 1270 continha erros doutrinais acerca da omnipotência de Deus: que Deus não conhece nada mais para além de si mesmo; que não pode aprender as realidades singulares e, que, por consequência, a acção humana escapa à sua providência. Deus não pode transgredir o estatuto ontológico do mundo material onde os seres são inexoravelmente sujeitos à mudança e à corrupção, portanto, ele não pode dar a imortalidade a algo mortal, ou seja, não pode ressuscitar um corpo. Estes erros referem-se a enunciados teológicos.
Quanto à cosmologia defendia-se nos artigos condenados que o mundo é eterno, que o mundo sublunar era determinado pelo movimento dos astros.
Defendia-se também o monopsiquismo, atribuído a Averrois: o intelecto de todos os homens é único e numericamente idêntico para todos, tanto o intelecto agente como o paciente, é, assim errado dizer que o homem intelecciona, convém antes dizer que o intelecto, substancia espiritual radicalmente separada de todo o individuo concreto, pensa no homem ou por intermédio deste.
Por conseguinte, o homem, enquanto indivíduo, não terá qualquer sanção ou recompensa numa vida futura, uma vez que o intelecto não lhe pertence. Como sustenta uma outra proposição condenada a alma humana, a forma que faz com que ela seja determinado ser e não outro, é destruída com a corrupção do corpo; dito de outra forma, ela não passa de uma forma material que não sobrevive ao desaparecimento do corpo.

Representação do divino, visão do mundo, concepção do ser humano; teologia, cosmologia, antropologia, psicologia: estes planos do pensamento filosófico estão em completa oposição com os dogmas católicos.
A filosofia colocará às universidades medievais a questão de saber qual deverá ser a linha de demarcação que separa as disciplinas filosóficas e as teológicas, o problema da distinção entre obra do pensamento elaborada pelos filósofos e ciência sagrada constituída racionalmente sobre a Revelação bíblica. O problema da delimitação de domínios subjaz às condenações de 1270 e mais tarde, em 1272 irá ter um eco institucional, uma vez que os mestres de artes apoiaram o estabelecimento de novos estatutos da faculdade em Paris. Será uma solução, sobre o ponto de vista académico, ao problema do limite epistemológico, a fronteira do espírito para além do qual os artistas não se poderiam aventurar no ensinamento filosófico.

Causas da condenação de 1277:
I. A vontade de preservar a ortodoxia católica.
A emergência de um saber pagão global, oposto em muitos pontos aos dogmas cristãos, alvo de denúncias e condenações da parte dos teólogos e dos homens da Igreja, está relacionada com dois factores culturais: a tradução para latim das principais obras do peripatetismo grego-árabe e, por outro lado, a sua integração progressiva no seio da cultura intelectual das universidades.
É o próprio bispo de Paris que refere que o que leva à condenação das teses é a luta contra os “erros execráveis” dos artistas. Colocam-se duas questões: as teses denunciadas pelo bispo como heterodoxas tinham realmente defensores, eram realmente ensinadas na Faculdade de Artes de Paris? E se a resposta for afirmativa, em que contexto foram elas apresentadas pelos magistri artium?

Os grandes temas em torno dos quais gira a condenação de 1277 são uma teologia minimalista da ciência e do poder divinos; uma cosmologia eternalista e estruturalista, ou seja, a visão de um mundo estruturado eternamente segundo os princípios físicos e metafísicos intrínsecos que aos quais até mesmo ser divino deve respeitar mesmo que ele intervenha na ordem cósmica; uma antropologia determinista, a saber, primeiramente a concepção de uma vontade humana onde o livre-arbítrio está fortemente subjugado seja pelos julgamentos do intelecto divino (determinismo psicológico), seja pelo impulso dos desejos, dos apetites ou dos objectos apetecíveis (determinismo das paixões), seja pela influência das esferas celestes (determinismo astral), e em segundo lugar, a colocação fora do sujeito da faculdade intelectiva, ou seja, a ideia segundo a qual o intelecto na sua integralidade – enquanto potência receptiva das espécies inteligíveis (intelecto passivo) que como principio activo capaz de abstrair os conceitos das coisas ou das suas imagens sensíveis (intelecto agente) – não pertence propriamente a alguma subjectividade individual, dito de outra forma, está radicalmente separado de todo o individuo humano e é único para todos os homens (a famosa doutrina do monopsiquismo). Daqui decorre por um lado a impossibilidade de imputar a responsabilidade e a não sobrevivência da alma relativamente ao corpo.

Gabinete de Filosofia Medieval

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